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HOLLOWAY: O Primeiro Dia do Resto de Nossas Vidas.

QUERIDO LEITOR, antes de mais nada, quero te agradecer por estar aqui. Quero dizer também, que se for a primeira vez aqui em meu site, que você possa ficar a vontade. Tem muita coisa por aqui, e você pode ler se quiser. Outras tão antigas quanto a velhinha do picolé. Essa aqui, está quentinha, será dividida em Duas Partes, essa, a Primeira como "HOLLOWAY: O PRIMEIRO DIA, DO RESTO DE NOSSAS VIDAS". E, a parte dois como "HOLLOWAY: NÃO HÁ TÚMULO QUE PRENDA O MEU CORPO". Me inspirei em filmes, musicas e em livros que gosto, abordando uma narrativa nos olhos de uma segunda pessoa na trama. Pode parecer cansativo, e de fato, é! Mas gostaria que se apegasse aos fatos, e não ao narrador. Existe uma crítica social, racial e politica. Não se passa no Brasil, embora algumas coisas podem, e vão ser questionadas. Espero que goste, aliás, realmente espero que goste. 


Johnn Carneiro.
ps* tentei concertar ao máximo os erros, não sei se consegui.

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"Pagamos por tudo nesta vida, seja de um jeito ou de outro, e não há nada que venha de graça, exceto, é claro, a graça e misericórdia do amor de Deus".


1


Hallowell - Estado do Maine.




Eu me lembro da última coisa que ela falou pra mim antes de morrer. Ela estava abatida, sangrando, e 19 quilos a menos de quando chegou aqui há 14 anos atrás. Antes de apresentar o inferno á você, e a história da minha companheira de cela, a Charla. Quero contar primeiro onde é que estamos...


As detentas chamam este lugar de O Buraco de Minhoca. E começam a rir umas com as outras quando o apelido sai pela culatra. Me parece que é uma piada sobre, nós que não temos vida sexual aqui com um homem de verdade, e temos que nos... você sabe, nos divertir com algumas coisas estranhas. Mas enfim, uma mulher consegue ficar muito, muito mais tempo sem ter uma relação sexual, do que o homem. O homem é um filha da puta, não podem ver um buraco, e já querem entrar nele. O Buraco de Minhoca, batizado originalmente por Penitenciária Estadual de Hallowell. Fica localizada a 45 km da cidade, ela fica em frente á um posto de gasolina, onde caminhoneiros de várias cidades passam, o cheiro de combustível, e óleo derramado é muito forte; O Buraco é conhecida por ser uma das 10 piores prisões do mundo, mas para o Diretor Willian GodHeart é um grande feito, ele assumiu a cadeira de diretor há 3 anos, é um homem devoto, e amante das regras, sempre com o seu terno passado pela esposa burra, mas é um homem impetuoso, talvez pela fama que ele conseguiu, sendo 3 vezes seguida eleito o melhor diretor de uma prisão estadual, e quer agora se candidatar a prefeito de Hallowell - eu não que vontade é essa que esses caras tem de fazer merda - ele tem feito atrocidades com as detentas. Só nos três primeiros meses aqui dentro, todas as presas são obrigadas a usarem um cinto de castidade. GodHeart afirma que para evitar o pecado do lesbianismo usamos esses cintos. Até ai tranquilo, a alimentação é reduzida, e quando há a alimentação, ela é distribuída no pátio, onde jogam toda a comida que vai pro lixo, eles deixam lá, no meio, o nosso banquete. Quando estamos exaustas, acabamos comendo. O banho, não temos banho nos primeiros três meses, e somos constantemente violadas, tanto pelo diretor, quanto pelos guardas. Apelidamos o diretor de Duque, e cada guarda que o segue de DuqueUm, DuqueDois e assim por diante. É a nossa forma de comunicar uma com as outras, para o perigo deles estiverem por perto. Mas, isso é só a parte mais tranquila do Buraco. Depois de 1 ano aqui, você começa a enlouquecer, começa a comer a porcaria dos outros, a higiene se perde, o banho nem se lembra. Muitas detentas já morreram por infecção, e acredito que se um dia alguma de nós sairmos daqui, é provável que iremos transmitir alguma doença lá fora. As horas não passam por aqui, os ponteiros dos segundos parecem que se movem a cada cem anos. Por isso, precisamos procurar algo para não enlouquecer aqui, como por exemplo arrumar briga com outras detentas, ou se promover a algum trabalho por aqui. O Buraco foi construído para conter cerca de 3.800 detentas, já chegou a conter 6.000 mulheres presas aqui.


Meu Deus, se ele realmente existe, fico imaginando o que ele pensa desta merda toda. Nos últimos 3 anos, 90% de todas as presas foram abusadas, torturadas, tanto fisicamente como psicologicamente. Em 2012 tivemos um suicídio em massa, varias detentas se mataram ao mesmo tempo, umas enforcadas na própria cela, outras que pularam do prédio principal, e outras que só desafiaram a tirania dos homens maus. Tudo isso na esperança - seja ela pro bem ou pro mal - de causar alguma indignação e a impressa decidir vazar para o mundo. Não aconteceu nada disso. Ninguém se importa. Apesar de que não se pode confiar em muita gente aqui. Drogas, podemos arranjar pra cidadã novata, ela vai morrer se não conseguir dinheiro, geralmente as novatas que já vem pra cá viciadas morrem mais rápido.


E é aí que eu entro, porque existe uma mina como eu em toda prisão estadual aqui da América, pelo menos eu acho que sim - eu sou a mina que pode conseguir as coisas pra você. Cigarros, um baseado se você preferir, uma garrafa de pinga brasileira, revistas para passar o tempo, jogos de tabuleiro, ou qualquer outra coisa... isto é, qualquer coisa dentro dos limites da razão. Eu me chamo Milca, e eu vim para o Buraco em 1998, tive a infelicidade de dirigir embriagado numa noite de mulheres, e acabei acidentando, um empresário riquíssimo daqui. Meu Deus, deu muita merda. Me chamaram de tanta coisa na minha cela, mas nos noticiários, apareciam comovidos; não tive direito a nenhum advogado, apenas palavras cuspidas da mãe do pobre infortunado. O que os noticiários não diziam, talvez não pela falta da informação, mas pelo dinheiro que eram posto na mão deles, protegendo o empresário de merda. Mas, eu fui condenada, não demorou muito, o juiz leu a sentença e, agora eu tô aqui. Eu sempre digo que eu não estou presa, só me jogaram dentro dO Buraco e me esqueceram. 


Vocês devem se perguntar se eu tenho esperanças de sair daqui? Nem sei o que quer dizer essa palavra, em tempos de ódio, castigos e horror, acredito que acaba virando palavra de político. Mas, de qualquer maneira, seja como O Buraco é, ou como as detentas passam o dia, não é sobre essas coisas que eu quero lhe falar. Eu quero lhes falar sobre uma mulher chamada de Charla Santiago. Mas antes de poder falar sobre a Charla, preciso explicar algumas coisas ao meu respeito.


Como eu disse antes, sou a mina que consegue as coisas aqui no Buraco há quase... vinte anos. E não são só os bagulhos, ou a bomba - bomba é como chamamos os aparelhos celulares contrabandeados na prisão - cigarros e revistas. Já consegui chocolates para as detentas nos dias dos namorados; consegui até uma sessão da meia noite de "A Espera de um Milagre" e "Um Sonho de Liberdade", filmes que consideramos muito educativos por sinal. Embora eu tenha passado alguns dias na solitária e com o DuqueTreze - esse, o pior de todos, um brutamontes de quase dois metros, estupido e grosseiro, que só fala merda, e gosta de ouvir sacanagem enquanto sentamos nele.


Já consegui até plugs anais para as detentas, e eu imagino que você saiba o que uma mulher aqui faz para ocupar a mente enquanto a noite se arrasta como uma lesma. Ai, já fiz muita coisa nesse tempo em que estive aqui, conheço o buraco como a palma da minha mão. Eu deixei apenas a minha mãe lá fora, e... bom, ouvi dos Duques, que ela havia morrido 4 anos atrás. Ela tinha câncer, mas fica difícil acreditar, talvez eles apenas disseram isso para me fazer sentir mal, ou eles nem sabem onde ela realmente está. Mas gosto de pensar que minha mãe esteja morta, apenas pelo fato de saber que esteja num lugar melhor, e onde não seja assombrada pela ausência da filha condenada ao inferno.


Charla tinha 27 anos de idade quando veio pro Buraco em 2013. Era uma mulher alta, bem arrumada, de cabelos negros e mãos finas e dedos pontudos, o rosto era meio arredondado, e o pescoço meio longo. Os olhos eram grandes, e a boca carnuda. A bixa era gostosa. Ela chegou como se não quisesse nada, como se não tivesse feito nada. Chegou algemada, nos pulsos, e nos pés. Há humilhação já começa ali, deixaram ela entrar com as roupas que foi presa, uma saia escura e colada, e uma camisete branca, calçava um salto alto, e as algemas dificultavam os passos. 


E, como vocês já devem ter ouvido por aí, todo mundo dentro de uma prisão é uma pessoa inocente. Durante todos esses anos que passei no Buraco, houve menos de 6 mulheres nas quais acreditei quando me disseram que eram inocentes. E, embora fosse difícil acreditar na barbaridade da Charla, ela foi uma das quais eu acreditei. E, talvez eu só tenha me confundido com sua inocência ou com a sua pertinência ao longo dos tempos em que ela ficou aqui. Logo quando ela chegou, ficamos todas curiosas em saber o porque que ela veio parar aqui. Providenciei um jornal contrabandeado, fizemos grupinhos noturnos, e passávamos as informações no pátio no dia seguinte, e quando eu li a matéria, e se eu estivesse no júri, eu teria votado a favor da condenação.


Foi um daqueles processos demorados; um daqueles que parece que só acontecem em filmes. Havia uma bela mulher que engravidara de um nobre rapaz, que, tinha uma boa relação com a sociedade, o rapaz, ela não. Um amor juvenil, sexo, muito sexo e... um bebê. O homem a abandonou, ela e o bebê, deu dinheiro a ela, e pediu para que nunca o procurasse, o que ele tomou bem no cú porque, e um nome em que vocês devem se lembrar Yale, Jack Yale! Isso mesmo, o filho do presidente Yale. Jack morreu alguns dias depois de abandonar uma mulher e seu bebê, ele tentou assaltar com os amigos pela madrugada um banco no Maine, talvez só por brincadeira, mas a tentativa acabou numa chacina - 9 mortos, um deles, o filho do presidente Yale, o moleque levantou a cabeça na hora errada e levou uma bala no meio da testa. É claro que o presidente não iria deixar seu filho ter uma final infeliz assim, por isso, fizeram uma forma de transparecer que o garoto seria um herói nacional ao tentar dizer que Jack teria tentando parar o tal assalto e morreu pelos bandidos. Isso é claro não saiu barato; Jack teve um enterro heroico, com chuvas de balas aos céus, bandeira no caixão, e quase meio milhão dos cofres para a policia que atendeu a ocorrência naquela noite. Como eu sei disso? Meu amigo, a politica é previsível. 


O bebê nasceu, e Charla foi acompanhada de perto, pela primeira-dama Kittie, a única que sabia e tentava ajudar Charla. Tudo foi mantido as escuras. Charla chamaria a criança de Ailla, uma linda bebê; tudo parecia perfeito, até que um dia Charla fez a mamadeira de leite pra criança, colocou um pequeno pó na mamadeira, agitou, colocou em cima da mesa, e antes de entregar a criança, chorou deitada no chão como um feto no útero. No dia seguinte, a primeira dama encontrou Charla na cozinha, com os olhos fundos, a camisa suja de sangue, e o pior, em seu colo Ailla morta, de olhos abertos, sem cor, sem vida. 


Charla levou uma surra grátis dos seguranças da primeira dama, que levou a criança ao hospital. Mas já era tarde.  A acusação foi rápida, o mundo todo descobriu a verdade, todos queriam a cabeça de Charla, e associaram tudo a Jack que morrera no ano anterior, associaram a primeira dama que encobriu tudo. O julgamento só demorou tanto porque o promotor queria se candidatar a governador e queria que os eleitores e a grande mídia - e o presidente - olhasse bem pra sua cara. Foi um espetáculo, e o presidente sabia que seria reeleito depois dessa barbárie, a sua neta, assassinada, era muita comoção. Pessoas formavam filas, como se estivessem em filas do banco.


Disseram que durante todo o julgamento, Charla ficou calada, de cabeça baixa, não deu um peido se quer. A primeiro instante, a primeira dama prestou seu depoimento, e viu que no canto da boca de Ailla havia indícios de cocaína. Charla teria colocado cocaína na mamadeira e Ailla teria tido uma parada múltipla dos órgãos. 


  •  A senhora quer dizer que, quando chegou na casa da réu, por volta das...

  •  Quatro da tarde - disse a primeira dama ao promotor.

  • ... quatro da tarde, encontrou a criança, já morta, e nos seus lábios resíduos de pó?

  • Isso mesmo, quando cheguei e vi a Charla com o bebê, com toda aquela cena, eu peguei o bebê no colo e tentei uma respiração boca-a-boca. Pedi também que o meu segurança me auxiliasse.


No mínimo engraçado, Charla com o rosto todo inchado, a costela fraturada, e o pulso quebrado, do auxílio que o segurança dera.


  • O exame revelou substância de Cloridrato de Cocaína. Ou seja, a nossa réu, assassinou sua filha, drogando-a!


O Advogado de Charla, pediu-lhe para contar ao júri o que a motivou a fazer tal ato, e que se declarasse com problemas mentais desde o abandono. Nem o advogado de Charla acreditava nela.


  • Eu, eu estava muito aflita... - disse Charla calma e friamente, Assim como uma mulher que enumera seu guarda roupa. Ela afirmou que pensara em suicídio e que tinha comprado o remédio para deixa-la a filha mais sonolenta. Mas não imaginaria que a mataria. Deixaria a criança com a avó. E disse que nunca usou drogas, e que não se lembra de ter cocaína em casa.


Depois Charla, foi aconselhada a dizer que estava bêbada na noite passada, o que ela não disse. 


  • Senhora Santiago, a senhora drogou a sua filha na tentativa de matá-la? - bradou o advogado.

  • Não, eu não matei a minha filha - respondeu Charla. Por volta da manhã do ocorrido dia, segundo ela, estava com uma aflição muito grande, e a Ailla estava tranquila em sua cadeirinha. Não queria que a bebê visse a mãe se matar logo em seguida. Porque ela sabia que a primeira dama iria aparecer. 


  •  Obrigada, senhora.


O promotor se levantou.


  •  A senhora disse ao júri, entre 22 de outubro, e 05 de agosto que estava pensando em suicídio.

  •  Sim, senhor.

  •  Tempo bastante para conseguir com os seus amiguinhos do bairro Cloridrato de Cocaína.

  •  Não, senhor.

  •  A senhora ficaria muito aborrecida, Senhora Santiago, se eu dissesse que a senhora não me parece ser do tipo que se suicida?

  • Não - respondeu Charla - Mas o senhor não me impressiona com a sua sensibilidade aguçada, e duvido muito que eu levasse meu problema para o senhor se tivesse pensado em suicídio.


Nesse momento, ouviu-se um riso abafado e tenso na sala, mas não era nenhum ponto que ela tinha ganho com o júri. Pelo contrário, isso motivou o promotor a questionar mais ainda.


  • A senhora tinha um caso com Jack Torrance Yale, filho do então presidente Yale, que foi morto há alguns meses, certo?

  • Sim, no qual já confirmei antes.

  • Ah sim! - o promotor sorriu sarcástico. - A senhora, que veio a ter um caso com um herói nacional, e que antes de sua morte, a senhora dizia que ele havia lhe abandonado, mas o que não bate é, como a senhora sobreviveu sem o apoio de Jack?

  • Jack, como eu disse, tivemos um amor de veraneio, ficamos juntos e eu engravidei, Jack ficou tenso, possesso e com medo, de seu pai, o presidente repudiar a nossa história. 

  • Jack a abandonou?

  • Sim, como já declarei…

  • Ah… hum… bem conveniente não é?

  • Nem conveniente, nem inconveniente. Apenas a verdade.

  • Acredito que a Senhora tenha ouvido o depoimento da Primeira Dama, a Srta. Kittie.

  • Sim, o senhor sabe que eu ouvi.

  • Então a senhora ouviu-a contar ao tribunal que eles sabiam do relacionamento de Jack e da senhora por todo o verão. E que sabiam também… da gravidez indesejada.


Charla olhou para Kittie, que abaixou a cabeça, não com remorso, e nem por ódio.


  • Senhor promotor, não posso desmentir o que a Kittie disse, o que ela disse, está dito. Mas quero olhar nos seus olhos, e dizer… - Charla se levantou, os guardas se aprontaram, o promotor arregalou os olhos, Kittie encarou Charla, e a olhou nos olhos. - quero dizer… Obrigada.


Kittie deixou uma lágrima escorrer pelo canto do olho, que desceu pelos lábios, ela se retirou, junto com o seus seguranças oficiais. O promotor estalou os dedos, bebeu um gole de água, afogou a gravata, passou as mãos no cabelo ensebado, e continuou a sua oratória. E naquele dia mais tarde, o juiz leu sua sentença, e só aí que Charla entendeu o que tinha acontecido. 


  • Charla Santiago Neres, pela ordem que a mim foi confiado pelo estado do Maine; esse tribunal, declara você culpada pela morte de sua filha Ailla Santiago. E por isso, penalizo a senhora por uma prisão perpétua, a contar de agora. Que Deus tenha misericórdia de sua alma, e que assim seja!


O barulho do martelo cegou, e silenciou a mente de Charla naquele momento, e eu sei o que passou pela cabeça dela, imagina só, receber uma sentença, um dia você está livre, e no outro está condenada a viver em uma cela em péssimos recursos. É como pensar em passar a vida toda no inferno, não vai ter fim, é para sempre, é eterno, vai querer morrer, e não irá morrer. No Buraco, você só morre se for fraco, e se te quiserem morto.


Eu me lembro da primeira vez que Charla e eu conversamos pela primeira vez; me lembro como se fosse ontem. Naquele inverno sangrento em 2014, ela se aproximou calmamente para perto de mim, eu não ia muito com a cara dela, mas ela se aproximou de mim por uma outra razão.


A maioria dos meus negócios é feito pelo pátio mesmo, e foi onde aconteceu também. Nosso pátio é grande, bem maior do que toda a prisão por se dizer. E um quadrado perfeito de 90 metros de lado. No lado norte, fica um muro com torres de guarda em cada extremidade. Foi a primeira vez que vi uma guarda mulher, mas não pense que elas pegam leve, às vezes até pior que os Duques. O portão principal fica no lado norte. As áreas de carga e descarga de caminhões ficam no lado sul do pátio. Há cinco dessas áreas. O Buraco é movimentado durante a semana - onde ocorre a saídas e as entregas. Nós temos uma fábrica de colchões e travesseiros, ao lado de uma grande lavanderia industrial que lava toda a roupa da prisão e, pasmem… também todas as do Hospital Halloway Central. Aqui, temos também uma grande oficina de costura, onde as presas aprendem e trabalham com costuras, serve tanto para a prisão como para o governo em dias de ações de graça. 


No lado leste, há uma enorme e grossa parede de pedra com pequenas janelas estreitas. O Bloco 3 fica do outro lado dessa parede. Bloco onde eu fico, e constantemente Charla também - só foi algum tempo depois que começamos a dividir cela, devido aos custos 7 anos depois fizeram as celas serem divididas. Ela se aproximou, como se não quisesse nada. De um jeito assustada e trêmula. Ela gostava de não ter companheira de cela, talvez por medo, eu particularmente não me importo. Mas sei que ela se importava. Umas pessoas me diziam que queria ter uma noite com ela, e quem disse isso sempre era Mag Sostenys, uma sujeita que era bom não ter nenhum vínculo de amizade. 

  • Oi - disse ela - Sou Charla Santiago. - estendeu-me a mão e eu a cumprimentei. - Ela estava meio nervosa, e isso era compreensível, como se estivesse numa entrevista de emprego, sabe.

  • Eu ouvi dizer que a senhora é boa pra arranjar as coisas.


Eu concordei com a cabeça, e quase me vangloriando. 


  • Como funciona? - perguntou Charla.

  • Bom, você me diz o que quer, eu falo o preço, eu cobro meus 10% de sempre, você me paga, e dá o fora. Simples.

Charla deu um breve sorriso.


  • Será que você conseguiria um… como posso dizer - ela indagou.

  • O que é? Tú quer uma bomba? Uma botinha…? Posso conseguir até uma branquinha…

  • Quê? Bomba! Não, botinha…?

  • É minha amiga, tem que aprender as palavras da prisão para poder se comunicar aqui, muita gente aqui não entende esse linguajar de rica aqui não.

  • Eu, eu não sou rica, eu só…

  • Só não teve sorte né? - Charla abaixou a cabeça quando eu disse.

  • Diria que é exatamente isso. - Ela olhou para o horizonte, a fim de não pensar muito. - Deixa pra lá, é bom saber que posso ter uma amiga aqui.

  • Olha - Descartei o meu cigarro, e a olhei nos olhos. - Eu não sou sua amiga, e eu não quero ser a sua amiga. Aqui, somos detentas, cada uma aqui está pagando pela merda que fez em vida. Porque se você não sabe, você já está morta. Eu posso ser no máximo… no máximo o teu anjo da guarda. - Eu peguei pesado com ela, queria saber se ela seria de confiança, ou apenas aquelas novatas que querem companhia para não apanhar na primeira noite no inferno. 

Charla deu apenas um sorriso torto, eu não entendi muito, não sei se estava sendo irônica, ou apenas aceitando o conselho.


  • Presta atenção, é carne nova. É bonita, e as maricas já estão de olho em você. - E então apontei para as Maricas que estavam olhando, quase engolindo Charla com os olhos.


Umas poucas palavras sobre “As Maricas”.

Em muitas prisões, elas são conhecidas como “Bonecas do Xadrez” - atualmente o nome da moda é “Irmãs Assassinas”. Mas aqui no Buraco, elas sempre foram as “maricas”. Não sei por quê, mas fora o nome, não há diferença. Não é surpresa alguma para muitos hoje em dia que exista um bocado de sodomia no interior das prisões - exceto para os novatos, talvez, que têm a infelicidade de serem jovens, esbeltos, bonitos e inocentes - mas a homossexualidade, como a heterossexualidade, tem centenas de variáveis. Há homens que não suportam viver sem alguma forma de sexo, assim como algumas mulheres que procuram outras mulheres aqui para não ficarem loucas. Normalmente o que acontece é um arranjo entre duas mulheres heterossexuais, embora eu às vezes ficasse pensando se elas eram mesmo tão heterossexuais como pensavam que seriam quando voltassem para seus maridos, ou namorados. Existe também, as mulheres que “viram a casaca” na prisão. Na linguagem atual, elas viram lésbicas ou “saem do armário”. Na maioria das vezes (mas nem sempre), desempenham o papel de macho, e seus favores são acirradamente disputados.


E, há “As Maricas”.

Elas estão para a sociedade carcerária assim como a estupradora, ou estuprador está para a sociedade livre. Normalmente têm prisão perpétua, cumprindo penas rigorosas por crimes bárbaros. Suas presas são as jovens, os fracos e os inexperientes… ou, como no caso de Charla Santiago, as que parecem fracas. Seus locais de caçada são os chuveiros, as áreas apertadas como os túneis atrás das enormes máquinas de lavar na lavanderia que eu já lhes falei, e algumas vezes a enfermaria. Mais de uma vez, já houve estupro na minúscula cabine de projeção atrás do auditório. Na maioria das vezes, o que as maricas conseguem á força poderia ser feito com boa vontade, se elas assim o quisessem; aquelas que “viram a casaca” parecem sempre nutrir “paixões” por alguma marica, como adolescentes por seus youtubers e jogos online. Quanto às maricas, porém, sua satisfação é sempre fazer a força… e acho que sempre será assim.


Por causa de sua pequena estatura, e por ter boa aparência (e talvez também pela sua presença de espírito, que eu admirava), as maricas perseguiram Charla desde a hora que ela entrou aqui, e o que a deixava segura era a regra do cinto de castidade, mas ela teria apenas 3 meses para se preparar. Se isso fosse um conto de fadas, eu diria que Charla lutou até que a deixaram em paz. Gostaria mesmo de dizer, mas não posso. A prisão não é nenhum mundo de conto de fadas.


Sua primeira vez, foi logo quando os escravos - como nos referimos aos guardas mais baixos da prisão. - retiraram o cinto de castidade de Charla. E aconteceu no chuveiro mesmo, Charla reagiu com uns socos e abriu o lábio de ninguém mais e ninguém menos de Mag Sostenys, da qual já te disse, uma mulher pesada, grandalhona e nojenta. Lembro que um escravo as separou antes que acontecesse alguma coisa mais grave, mas Mag prometeu pegá-la - e Mag cumpriu a promessa.


A segunda vez, foi atrás das máquinas de lavar. Muita coisa aconteceu nesses anos naquele espaço estreito, longo e empoeirado os escravos sabem bem disso e eles mesmo deixavam acontecer as vezes. É escuro e coberto com sacos de produtos para lavar e alvejar, tambores cheios de catalisador Hexlite, tão inofensivo quanto sal se suas mãos estão secas, mortal como ácido de bateria se estão molhadas; Os escravos não gostam de ir lá. Não por onde escapar, e uma das primeiras coisas que te ensinam quando se vem trabalhar nesse lugar é nunca deixar os caras te levarem para um local onde não há saída.


Mag não estava lá nesse dia, mas Bette O’Malley, que era a chefe da turma de lavagem desde muito tempo, me contou que quatro amigas de Mag estavam. Charla as manteve acuadas por algum tempo com um punhado de Hexlife, ameaçando jogar nos olhos delas se chegassem mais perto, mas tropeçou quando tentava passar atrás de uma das grandes máquinas. Bastou isso, um erro, uma falha, caíram em cima dela. Elas a deitaram sobre uma caixa de transmissão e uma delas segurava uma chave Phillips contra sua orelha, enquanto as outras faziam sua parte. Lá se sabem o que colocaram na Charla nesse dia, mas sangrou muito, e o sangramento vaginal, parecia mesmo como uma menstruação; durou dois, três dias, e pingando de vagar. Além do rasgo, e da ferida - se eu estou falando da experiência, e ferida emocional? - bem que eu desejaria que fosse. Mas estupro é estupro, e você acaba tendo que olhar seu rosto no espelho de novo e decidir o que fazer de você mesmo.


Charla passou por isso sozinha, do jeito que passou por tudo sozinha naqueles dias. Deve ter chegado a conclusão a que outros chegaram antes dela, ou seja, que só há duas maneiras de ligar com as maricas: lutar contra elas e ser sangrada, ou simplesmente ser sangrada. E ela decidiu lutar. Quando Mag e dois de suas amigas vieram atrás dela, mais uma menos uma semana depois do incidente na lavanderia (“Ouvi dizer que você foi amaciada”, disse Mag, segundo a versão de Ellen, que estava por perto naquela hora), Charla partiu para cima delas. Quebrou o nariz de uma chamada Rosie McMahon, uma caipira de barriga grande que estava presa por ter batido no filho de sua vizinha até matá-la. E eu fico feliz em dizer que Rosie morreu aqui anos mais tarde. Elas a pegaram, todas as três. Quando acabaram, Rosie e uma outra - acho que foi Joana Silva, uma brasileira presa na imigração, mas não estou certa - forçaram Charla a ajoelhar-se. Mag ficou na frente, tinha a mesma arma que usaram na lavanderia, uma chave Phillips com o cabo de madrepérola com as palavras feitas a mão “Vadia Má” gravadas no lado. Ela mostrou a chave, e disse:


  • Eu vou abrir a minha braguilha agora, amor, e você vai chupar o que eu te der pra chupar. E depois que você tiver chupado a minha, vai chupar o da Rosie também. Você quebrou o nariz dela e acho que ela tem que ter uma recompensa.

  • Eu não vou colocar a minha boca nessa coisa - Disse Charla.

Mag e Rosie se olharam, achando que Charla fosse doida, contaram-me.

  • Não - Disse Mag á Charla, bem devagar, como se ela fosse uma criança imbecil. - Você não entendeu o que eu disse. Se você fizer qualquer coisa, se mover, ou falar alguma coisa enquanto me chupa, eu enfio todo esse cabo dessa chave de aço dentro do seu ouvido. Sacou?


A ousadia de Charla, e seu senso não a ajudaram naquela noite. Porque Mag, na verdade fez Charla chupar o que ela queria que Charla chupasse, não era possível ter prazer, era só o prazer doentio, e ao fim, Mag perfurou o tímpano de Charla. Meu Deus, era possível ouvir os gritos de Charla a quarteirões, até que os escravos apareceram. Mag e as meninas fugiram. E após os gritos, e muita dor, Charla desmaiou na própria poça de sangue naquela noite. Ela quase morreu, Mag e as meninas passaram um tempo na solitária. E Charla na enfermaria, ficou quase um mês. Ela perdeu a audição, emagreceu pra caramba. Quando desceu para o refeitório um tempo depois, ainda visivelmente abatida, todas as detentas a olharam, enquanto ela passava com a bandeja pelo corredor do refeitório. E nesse dia, pela primeira vez, fiquei com pena de alguém.


Lembro que Mag parou de perturbar Charla nesse mesmo verão. O que foi estranho. Porque Mag foi encontrada em sua cela, mortalmente espancada numa manhã no começo de junho, quando não apareceu para a contagem da hora do café da manhã. Ela não falou quem tinha feito o serviço, ou como tinham chegado até ela, mas no meu ramo de negócios sei que uma Duque, talvez ainda honesta, tenha dado os utensílios para que alguma presa fizesse isso com Mag. E eu gosto de pensar que essa Duque, seja mesmo honesta e tenha se sensibilizado com Charla. E eu só tenho certeza de uma coisa depois do espancamento - três costelas quebradas, hemorragia no olho, entorse na coluna e quadril deslocado - Mag Sostenys deixou Charla em paz. Na verdade, deixou todo mundo em paz. Ela ficou como um vento forte de verão, muita fúria e nenhum frio. Pode-se dizer que ela se transformou numa “marica frouxa”.


E este foi o fim de Mag Sostenys, a mulher pançuda que poderia ter matado Charla, se A Duque não tivesse coração. Mas não foi o fim dos problemas de Charla com as maricas. Houve um pequeno intervalo, e então começou tudo de novo, embora não fosse duro e tão frequente. Chacais gostam de presas fáceis, e havia outras mais fáceis que Charla Santiago. Ela sempre lutou contra elas, e isso é o que eu me lembro. Acho que ela sabia que se deixasse agarrar e sangrar algumas vezes, iria tornar as outras muito mais difíceis. E fora que desde que Charla perdeu a audição de um ouvido, ela meio que não se importava depois de algum tempo. De vez em outra, Charla aparecia com equimoses no rosto, dedos quebrados, maxilar. Ela sempre lutava, andava preparada, sabia que iria perder, mas iria machucar suas agressoras também, seja com uma flanela com pregos enrolada no punho, e como consequência passou temporadas na solitária. Mas não acho que a solitária para Charla fosse dureza que era para algumas. ela se dava bem consigo mesma. As maricas foram algo a que ela se adaptou.


E então, 10 anos depois, isso parou quase que totalmente. 


(CONTINUA...)





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Daughter - Texas, 2014 Donnie se masturbava. Puxa, comecei grosseiro demais. Vamos de novo. Donnie pensava na professora particular de matemática, era notório seu olhar penetrando os seios fartos quando ela gesticulava as mãos nas aulas. Curiosamente a mente tem uma espécie de que - diz os especialistas - todo ser humano tem memória fotográfica, ou seja tudo aquilo que o seu corpo gostar, seus olhos tiram "fotos" do ocorrido e mandam para o seu banco de memórias localizado em uma vasta parte do cérebro. E Donnie era um excepcional em flashes. Certa noite, depois de ter sonhos com a professora, decidiu navegar em suas redes sociais. Subia. Descia as abas. Via fotos pornográficas, fumava, e voltava a navegar. Em dado momento, seu irmão mais novo, Jimmie entrou no quarto. - Tocando outra? - disse com um sarcasmo. E com um velho sorriso nos lábios. - O que faz aqui, já falei... - Credo, é essa que você está obcecado agora ? Pensei que a professora... - Jimmy! - Qual

CONTO: A MALDIÇÃO DA CIGANA

Há coisas na vida, que pouco se passam a despercebidas. Mas existem outras que é inadimisiveis. Entretanto. O estresse. No trânsito, a correria, os trabalhos para entregar, o patrão exigindo produtividade. O computador travando e alertando na tela um vírus que galopa. Tudo isso causa estresse. A mentira. A soberba. Tudo isso causou a maldição de Albert Castle. Um advogado bem sucedido, com alguns problemas em casa, e com a família. O sucesso levou Albert ao cúmulo da soberba, e do amor perdido pela filha.  Ha 3 anos se divorciou. E a filha Emilly de 16 anos se tornou mulher antes da hora. Fazia um calor infernal, quando as portas da promotoria do estado se abriu. Albert retirou do terno um lenço e o enxugou a testa de suor. Olhou para os céus; meio que contestando. Se aproximou de seu carro, caro por sinal. E iria em direção a sua casa. Parou em um sinaleiro. Há 100 metros dali, uma família de ciganos estavam sentados no gramado próximo, e faziam algumas pulseir