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CARTAS SUICIDAS: Stelle Gracie.


Inverno de 2010 - Jussara, SP
Stelle Gracie disse uma única coisa: Oque passou, passou.
Ela largou a gilete na cabeceira da pia do banheiro, se encarou no espelho, esperando a liberação de endorfina agir em seu cérebro. O sangue em seu pulso escorria lentamente pelo ralo da pia. Algodão, seringas, e um vidro de morfina estavam expostos, e muito sangue enfeitava o ambiente frio e intenso.
A sensação de bem-estar, a ansiedade sendo expelida e a tristeza tornando-se em alucinações. Stelle debruçou sobre o chão, se aconchegando, e esperando... seus olhos começam a ter uma visão turva. O sangue escorre cada vez mais, agora por todo o chão, antes branco.
No andar debaixo os pais de Stelle; Casey e William estão jantando, na velha mesa da vovó Candy que herdaram depois da morte dela há 12 anos. William é advogado e bem-sucedido, enquanto Casey é enfermeira no Hospital da Pensilvânia que fica no centro da cidade da Philadelphia.
- Stelle o jantar está na mesa querida! – Chamou Casey com um tom doce.
No banheiro, as alucinações começaram a ficar mais fortes, os lábios de Stelle embranquecidos, a pele mais clara do que o normal. Os batimentos cardíacos diminuíam, ela sentia o seu corpo desfalecendo, pouco a pouco.
Envolvida pela endorfina, Stelle não cortou tão fundo os pulsos, e isso significa que poderia morrer em menos de 3 minutos. Caso contrário, não haveria nada a ser feito. Stelle começa a alucinar, lembrando quando era criança e brincava no balanço da escola. Começa a lembrar das amiguinhas, e da vida infantil. Em dado momento ela está em seu quarto, desenhando alguma coisa bem estranha, e uma música em que ela já conhecia começara a tocar, é "Paciência – do Lenine". E isso lhe acalmou, lhe deu paciência em esperar o seu destino.
Mesmo quando tudo pede
Um pouco mais de calma
Até quando o corpo pede
Um pouco mais de alma
A vida não para


Stelle larga o desenho, e desce as escadas de sua casa ela percebe que a casa está vazia, a única pessoa que estava com ela era sua irmã mais velha, Cameron.
Dor no peito. Stelle começa a ter uma parada cardíaca.
Na alucinação, ela continua a descer as escadas a procura da irmã, euforia toma conta, ela anda pela casa, com os pés descalços, e agora preocupada; onde está Cameron?
Distante da cozinha, ela vê os bracinhos magricelas, que seriam de Cameron caídos no chão, atrás de um balcão. E uma bolsa de sangue ao redor, empapando o corpo frio.  Stelle se aproximou, e viu a irmã caída, de olhos abertos e sem vida.

Stelle nada fez, um choque emocional. Trémula. Ajoelhou-se ao lado da irmã, fitando-a com os olhos tristonhos. Stelle lembrou do seu primeiro beijo com Sean há alguns anos atrás, lembrou de como Sean tinha um cheiro bom, ela se sentiu apertada em seus braços; lembrou da primeira vez que andou de montanha russa, e de como gritou e em como se sentiu bem. Lembrou também do seu TCC, e em como estava nervosa, as mãos frias e suadas, toda aquela gente olhando pra ela. Ela estava bem, mas não tão bem assim. Seus pais na primeira fila de sua colação, e ao lado deles um lugar vazio. Ela não estava tão bem assim. Foi transportada num futuro distante, e platônico, ela numa mesa de jantar, Sean cortando o peru, ela servindo ervilhas para duas crianças que se pareciam tanto com ela. Eles davam as mãos e faziam uma oração de graças. Era o seu único momento perfeito. Num instante em que sua mera alucinação se transforma novamente no passado, onde Casey e William estão em um túmulo, e nele jás Cameron; Stelle vê seus pais brigando pela madrugada, ela vê o seu pai chegando tarde, ela vê sua mãe chorando, ela vê sua mãe recebendo o Tio Tobby, e em como eles trocavam carícias em silêncio. Lembrou de como tudo mudou depois que Cameron se foi. E em como todo fardo ia para cima dela. Os amigos se foram, Sean... também se foi. Ela tinha apenas uma companhia.  Alguns respingos de sangue caiam na testa de Cameron. Ela voltou a realidade. Stelle, olhou para o teto, e se deparou com um monstro, gosmento, com prezas afiadas, e olhos escuros como as trevas, tinha a aparência sobre-humana, meio humano, meio morcego, de sua boca saia bastante sangue, a pele do monstrengo era branca, pálida, sem cor, sem vida. Não corria nenhum sangue, não se via veias, apenas a escuridão em seus olhos. Um ser corcunda, e com um saco de ossos nas costas. Ela encarou o monstro em seus últimos segundos de vida, o monstro sentou-se ao lado dela. Ela entendeu quem era, era a depressão, era a dor, era a tristeza, era tudo. 

Ela aceitou a companhia.

Enquanto o tempo
Acelera e pede pressa
Eu me recuso, faço hora
Vou na valsa
A vida é tão rara

Stelle de olhos fechados agora já não agonizava. Um estrondo na porta do banheiro. Era William socorrendo a filha, Casey logo atrás, com alguns equipamentos de primeiros socorros.
Reage filha! Reage Stelle!
Não adiantava, Stelle fechou os olhos, lentamente... e no espelho, escrito á sangue fresco dizia:
"De quem é a culpa?, morremos um pouco mais a cada dia" - S. GRACIE
Tudo ficou lento demais, lento demais.
Sons de sirenes. O socorro estava chegando. Casey se debruçou sobre a filha, chorando, gritando. O pai segurou a emoção, ficou em pé na porta, todo sujo de sangue vivo. Uma imagem que nunca sairia de sua cabeça, o corpo da filha sendo empoçado pelo sangue. E em sua mente, apenas a culpa.
Gracie morreu de olhos abertos. Em um momento único e lento, como nos filmes, os enfermeiros chegaram, e afastaram a mãe. Mas não se podia fazer mais nada. Casey se levantou, olhando para o marido abalado, ela aceitou a culpa, e abraçou William, ao lado da cabeceira da cama deles, dois porta-retratos, uma era de William e Casey ao lado de Cameron e Stelle. No outro, apenas Stelle e Cameron. O que passou, passou.

Enquanto todo mundo 
Espera a cura do mal
E a loucura finge
Que isso tudo é normal

Eu finjo ter paciência
A vida morreu dentro de mim. Só me resta agora esperar O anjo negro da morte chegar. Os pulsos cortados, é o meu o sangue que jorra, agora, nada mais me importa.


{Essa é uma historia de ficção, os personagens aqui tão somente existem na imaginação do autor}

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